sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

SHAKESPEARE - OTELO - A QUESTÃO DO NEGRO NA LITERATURA INGLESA




*ler na íntegra em:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/letras/article/viewFile/14576/12211.

REVISTA LETRAS, CURITIBA, N. 77, P. 13-25, JAN./ABR. 2009. EDITORA UFPR.
1 3
AS CONTROVÉRSIAS RACIAIS EM OTELO DE WILLIAM SHAKESPEARE

Célia Arns de Miranda*

 

Tem-se a impressão que a tragédia Otelo1, escrita por William
Shakespeare, parece estar cada vez mais vinculada aos tempos atuais. Por
se tratar de um enredo que expõe temas como racismo, misoginia,
miscigenação, identidade e choque culturais, conflito sexual e violência
doméstica, esta tragédia escrita no início do século XVII torna-se uma
misteriosa presciência do nosso mundo. As questões raciais que são expostas
abertamente dentro da peça ressoam com o racismo que é vivenciado fora
dela. Janet Suzman (1995, p. 279) menciona que é como se Shakespeare
estivesse reproduzindo a teoria do regime de segregação racial da África do
Sul quatro séculos antes que esta orientação política fosse formulada.
Em 1987, Ben Okri2 (1987, apud HANKEY, 2005, p. 2) relata que
ele estava sentado em um teatro londrino assistindo Ben Kingsley como
Otelo e David Suchet como Iago numa produção da Royal Shakespeare
*
Professora de Literaturas de Língua Inglesa na Universidade Federal do Paraná em estágio
Pós-doutoral na UFSC, sob patrocínio do CNPQ de setembro de 2008 a fevereiro de 2009..
1
Aproximadamente, entre 1599 e 1608, Shakespeare escreveu uma série de tragédias, na
seguinte provável ordem: Júlio César, Hamlet, Otelo, Rei Lear, Macbeth, Antônio e Cleópatra. Por um
consenso universal, essas tragédias estabelecem o dramaturgo inglês numa posição privilegiada dentre os
dramaturgos do mundo, quando não poucos críticos o colocam em primeiro lugar. As quatro tragédias, a
partir de Hamlet são consideradas o auge de sua produção dramatúrgica (HONIGMANN, 2001, p. 1).
2
OKRI, Ben. Meditations on Othello, West Africa, 23 and 30 March 1987. p. 562-564;
618-619.
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14
 Ao perceber que ele era a única pessoa de pele negra na audiência,
ele foi tomado por um sentimento de empatia por Otelo, outro homem negro
isolado num mundo de brancos. Ele percebeu que incomoda ver Otelo como
um homem negro no palco. O ressentimento de Okri está relacionado com a
sua convicção de que nenhuma pessoa branca no auditório estava se sentindo
da mesma forma que ele. De acordo com o seu ponto de vista, vários séculos
já se passaram com Otelo assassinando Desdêmona e se suicidando no palco
sem que alguma mudança significativa ocorresse em relação às pessoas
negras. Ele sabe que esse fato não poderia ser diferente, ou seja, como
poderiam pessoas brancas se imaginarem na ‘‘pele’’ de Otelo? Logicamente,
essa questão está sendo levantada por uma perspectiva política pós-colonial.
A situação a que ele se refere não é pessoal ou moral, mas está ligada ao
lugar que o homem negro ocupa na história: a cor de Otelo, a diferença, o
fato de ele ser o outro.
Tem havido sempre muita discussão em torno da cor da pele de
Otelo. Samuel Taylor Coleridge3 (1969, p. 187), por exemplo, pressupunha,
equivocadamente, que Shakespeare conhecia homens negros apenas como
escravos. Sabe-se que na década de 1560, Sir John Hawkins e outros mais
trouxeram um grande número de escravos da África Ocidental4 para a
Inglaterra –– havia tantos escravos que a rainha Elisabete I aprovou dois
decretos de deportação a partir do fundamento de que eles estavam
consumindo os alimentos que eram destinados ao povo inglês. Por outro
lado, sabe-se, igualmente, que os contos populares de viajantes daquela
época descreviam as sociedades africanas e pessoas de diferentes tipos e
cores, incluindo reis, nobres, eruditos e mercadores. Por esse motivo, um
homem de ‘‘sangre azul’’ que também fosse negro não significaria nada de
extraordinário para os ingleses, muito menos, se ele fizesse parte do enredo
de um espetáculo teatral (HANKEY, 2005, p. 9-10).
Dentro desta polêmica, é relevante mencionar o fato de que para
os ingleses, tanto na Idade Média quanto no período elisabetano e jaimesco,
um Mouro seria sempre de cor negra. Entretanto, E. A. J. Honigmann (2001,
p. 14) reitera que, independentemente do que um Mouro possa ter
representado para os ingleses antes de 1600, é indispensável que se tenha
3
S. T. Coleridge proferiu uma palestra sobre a tragédia Otelo de Shakespeare na qual ele
reiterou que a convenção já estabelecida de um Otelo negro é resultante do erro de confundir os epítetos
usados pelos personagens como se fossem verdadeiramente descritivos. Nesse sentido, de acordo com o
pensamento do poeta-crítico, o fato de Otelo ser chamado de negro, ou mesmo de beiçudo (I, i, 66) por
Rodrigo, ou de bode velho e preto por Iago (I, i, 88) não quer dizer que Shakespeare tenha tido a intenção
que Otelo fosse um negro genuíno (apud NEILL, 2006, p. 113).
4
As questões relacionadas com as diferenças raciais e coloniais são centrais para a
compreensão da cultura do Renascimento. A novelista Michelle Cliff menciona que ela estudou o Renascimento
sem se dar conta que o comércio escravo começou naquele período e que havia escravos na Europa mesmo
quando Miguelângelo estava pintando o teto da Capela Sistina (apud LOOMBA, 2002, p. 1).
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em mente que Shakespeare, como todos os londrinos, tiveram a oportunidade
de conviver com os mulçumanos do séquito do embaixador Mouro
(representante da região costeira da Barbaria5) que permaneceu em Londres
por um período de seis meses, a partir de agosto de 1600. É de se esperar
que este séquito, constituído por pessoas oriundas de uma cultura
completamente diferente da inglesa, tanto no que se refere à aparência física
quanto aos costumes, hábitos e maneira de se vestir, tenha causado um
verdadeiro frisson em Londres. Inclusive, a companhia teatral, os Homens
do Lorde Camerlengo, da qual Shakespeare participava, representou uma
peça na corte antes da partida do embaixador (HONIGMANN, 2001, p. 2).
Vale dizer que estes Mouros, oriundos região da Barbaria, eram fulvos, ou
seja, de cor amarelo-tostada, em vez de serem negros (2001, p. 14). Percebe-
se, portanto, que as primeiras audiências de Otelo tinham informações
suficientes para poderem comparar o Mouro de Shakespeare, seja com os
tão comentados estrangeiros (indivíduos amorenados), seja com o seu
referencial histórico-cultural (indivíduos negros).
Não restam dúvidas de que Shakespeare tinha conhecimento de
que nem todos os Mouros deveriam ser negros. Em Titus Andronicus, o
Mouro Aaron é descrito como um Mouro negro retinto (coal-black Moor) que
tem um cabelo lanoso e encaracolado (fleece and wooly hair) e um filho
recém-nascido que é visto, carinhosamente, por ele como sendo um escravo
beiçudo (thick lipp’’d slave)6. Tendo-se essas referências em mãos, é possível
afirmar que Shakespeare tenha imaginado o Mouro Aaron como uma pessoa
negra. Entretanto, quando as indicações cênicas que anunciam, em O
mercador de Veneza, a entrada do príncipe de Marrocos, como ““um Mouro
fulvo, vestido todo de branco”” (II, i), tem-se a prova definitiva de que
Shakespeare, realmente, sabia que existem nuances na cor da pele entre os
Mouros, ou seja, que aqueles oriundos do Norte da África poderiam ser
fulvos, em vez de negros. A partir dessas colocações, se voltarmos a nos
referir ao Otelo, não é possível relevar o fato de que esta tragédia foi escrita,
provavelmente, em 1603-1604, ou seja, um curto período de tempo após o
embaixador Mouro, representante da Barbaria, partir de Londres (1601).
Percebe-se que existem relações entre este fato e algumas das falas em Otelo.
Iago, por exemplo, ao denunciar para Brabantio a fuga de Otelo com
Desdêmona, insulta o Mouro fazendo uso de uma linguagem extremamente
ofensiva: ““[O senhor] terá sua filha coberta por um garanhão da Barbaria(...)


--------------------------------------------------------------------------------------------------
 

*ler na íntegra em:
http://www.fasete.edu.br/revistarios/media/revistas/2014/o_negro_na_literatura_inglesa.pdf.


Rios Eletrônica- Revista Científica da FASETE
ano 8 n. 8 dezembro de 2014
O NEGRO NA LITERATURA INGLESA – A IDENTIDADE DE “OTELO” REPRESENTADA EM SHAKESPEARE


Micheli Marques Feitosa
Graduada em Letras com habilitação Português, Inglês e Respectivas Literaturas pela Faculdade Sete de
Setembro – FASETE, em Paulo Afonso – BA.
Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade São Luís de França – FSLF, em - Aracaju – SE.
Atua como assistente administrativa na Assessoria de Comunicação – ASCOM da FASETE.
michelimfeitosa@gmail.com
Kárpio Márcio de Siqueira
Mestre em Crítica Cultural pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Alagoinhas – BA. Atua como
Professor pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Paulo Afonso – BA.
 


RESUMO
Este estudo discute a identidade negra representada na obra Otelo, o Mouro de
Veneza, de William Shakespeare com o objetivo de mostrar como o autor representou
o negro na obra a partir da visão da sociedade inglesa e refletir sobre a luta dos
escritores negros pela representação positiva de sua identidade na Literatura Inglesa.
Além disso, utilizar como análise a obra Otelo para ilustrar a opinião da sociedade
inglesa de Shakespeare sobre o negro. A metodologia utilizada para desenvolver o
trabalho foi através de artigos e estudos bibliográficos de vários autores. Os resultados
mostram que a alienação imposta pela sociedade inglesa sobre os negros refletiu
consequentemente em um atraso no desenvolvimento de uma Literatura Negra Inglesa
que viesse exaltar a cultura negra.
Palavras-chave: Sociedade Inglesa. Literatura Negra Inglesa. Identidade Negra.

INTRODUÇÃO
Neste trabalho refletimos sobre a luta dos escritores negros pela representação positiva de sua
identidade na Literatura Inglesa. Além disso, utilizamos para análise a obra Otelo para ilustrar
a opinião da sociedade inglesa de Shakespeare sobre o negro. O artigo, é composto por dois
2
Artigo publicado originalmente na revista CONCEPÇÕES - Revista Científi ca da Faculdade São Luís de
França, Ano V - Edição nº 05 | 2014
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capítulos, no primeiro – “O Movimento da Negritude – A busca do sujeito negro por uma
identidade”, tratando de fundamentar a história da presença do sujeito negro na Literatura
Inglesa, partindo do processo de luta dos escritores negros pela valorização da identidade até
o surgimento da Literatura Negra na Inglaterra. No segundo – “Otelo, O Mouro de Veneza -
em análise” apresenta a análise sobre os mouros, o relato da obra Otelo, O Mouro de Veneza,
e como a identidade moura do personagem Otelo foi representada pelo dramaturgo na obra.
A metodologia utilizada para desenvolver o trabalho foi através de artigos e estudos
bibliográficos de vários autores. No que diz respeito à história dos negros vários artigos
importantes como o de Domingues, Santos, Ferreira e Nagib foram fundamentais para o
desenvolvimento desta teoria além das autoras Zila Bernd e Zilda Iokoi. Por fim os trabalhos
de Guy Boquet e Claude Mourthé ajudaram na parte analítica e critica da obra shakespeariana.
De que maneira o negro esteve presente e como foi representado na obra Otelo, O Mouro de
Veneza? O Estudo da obra Otelo, de William Shakespeare, um dos maiores símbolos literário
inglês, é de suma importância para o desenvolvimento deste trabalho, pois através destes
conhecimentos entenderemos o motivo que levou os escritores negros a formarem
movimentos revolucionários contra a visão alienada da sociedade branca europeia.
1 O MOVIMENTO DA NEGRITUDE – A BUSCA DO SUJEITO NEGRO POR UMA
IDENTIDADE
A reação dos negros contra a discriminação racial e a integração cultural a qual eram
submetidos teve início nos Estados Unidos com o Pan-africanismo formado por elites negras
escolarizadas descendentes de africanos escravizados como Sylvester Willians, Du Bois,
Blyden, Padmore e Marcus Garvey, entretanto, a divulgação desse movimento não atingia a
todas as camadas sociais da população negra sendo limitada a congressos, livros, jornais e
revistas. O Pan-africanismo teve duas vertentes, adotar o “reconhecimento da identidade
negra na sua realização nacional, integrada e assimilada à nação, e solidária com os africanos
[...] e a outra propunha um utópico retorno de todos os negros norte-americanos à África”
(LARANJEIRA apud SANTOS 2007, p.04).
Essas duas vertentes foram responsáveis por despertar a consciência negra e inspirar no
surgimento de vários outros movimentos, dentre eles, o Movimento da Negritude que
conforme Damasceno (2007):
Surgiu como uma forma de recusa à pura assimilação da cultura européia por parte
de intelectuais negros africanos, antilhanos, e outros, em detrimento de sua própria
identidade cultural, e como uma tentativa de retorno às tradições e valores
primordiais da raça negra; era uma tentativa de corrigir as distorções observadas
pelos intelectuais africanos e neo-africanos entre a cultura que lhes era imposta e a
sua própria realidade circundante e impedir a desagregação de sua unidade cultural
(DAMASCENO apud SANTOS 2007, p.04).
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Nos últimos anos a palavra negritude adquiriu vários significados e passou etnicamente a ter
um conceito ativo de caráter político, ideológico e cultural. Negritude pode significar segundo
Zila Bernd (1988, p.16 apud Domingues 2005, p.06) “o fato de a própria raça como
coletividade; a consciência e a reivindicação do homem negro civilizado: a característica de
um estilo artístico ou literário; ao conjunto de valores da civilização africana”.
O propósito do movimento foi exatamente inverter o termo negritude para um conceito
positivo, pois “a palavra negritude em francês deriva de nègre, termo que no início do século
XX tinha um caráter pejorativo, utilizado normalmente para ofender ou desqualificar o negro”
(DOMINGUES 2005, p.04). A negritude politicamente serve de auxílio para a ação do
movimento negro e ideologicamente auxilia no processo de aquisição de uma consciência
racial e cultural ajudando na valorização de toda a manifestação cultural de origem africana
rejeitando esse processo de alienação aos modelos culturais brancos provenientes da Europa.
O Movimento da Negritude surgiu em Paris em meados dos anos 30 e foi liderado por três
estudantes negros originados de colônias francesas: Aimé Césaire, Leopold Sedar Senghor e
Leon Damas. Quando esses estudantes negros de Paris passaram a frequentar universidades
europeias constataram que o modelo absoluto e universal que a civilização ocidental ensinava
na colônia era totalmente enganoso despertando a partir disso uma consciência racial disposta
em lutar a favor do resgate da identidade cultural desaparecida do povo negro.
Os estudantes também foram responsáveis pela fundação da revista L’Étudiant Noir (O
Estudante Negro) pelo qual foi muito importante para a divulgação do movimento da
negritude. A revista era a favor da liberdade de criação do negro, condenando o modelo
cultural ocidental e defendendo o comunismo, o surrealismo e voltando às raízes africanas. Os
fundadores pediam através dela para que os estudantes negros na França assumissem sua
verdadeira identidade negra, ou melhor, o seu ser negro, deixando de lado suas diferenças
nacionais. Segundo Zilda Iokoi “O movimento da negritude nasceu como resposta positiva da
cultura negra no mundo e como denuncia ao colonialismo europeu e à segregação racial
norte-americana” (2006, p.12).
Esse movimento literário lutava pela valorização do negro no ambiente cultural, político e
artístico exigindo que as populações negras de diversas localidades do mundo assumissem sua
condição negra. Ele também marcou a fundação ideológica sobre a negritude no cenário
mundial. Todos os movimentos que foram criados seguiam a mesma linha de raciocínio, a de
resgatar e valorizar a identidade negra, unindo os africanos e afro-descendentes.
O objetivo ampliou à medida que sua inclusão social e seu poder de mobilização se
expandiam, entretanto, além de contribuir na estimulação da consciência negra os aderentes
passaram também a protestar contra a ordem colonial e a lutar pela libertação política dos
povos africanos da opressão europeia. Conforme seus textos, Munanga (1986) destaca os
principais objetivos do movimento:
Buscar o desafio cultural do mundo negro (a identidade negra africana), protestar
contra a ordem colonial, lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lançar o
apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma
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civilização não universal como extensão de uma regional imposta pela força – mas
uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares
(MUNANGA 1986, p. 43-44).
Após adquirir novos objetivos, o movimento depois da segunda Guerra Mundial (1939-1945),
passou para uma fase combatente que ultrapassava os limites da literatura estimulando de
forma ideológica a luta das organizações políticas e das associações africanas pela causa
negra. Na década de 1960 esse processo alcança seu auge quando consegue obter adeptos
internacionalmente.(...)







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