quinta-feira, 27 de abril de 2017

POR QUE O BRASIL AINDA NÃO DEU CERTO?- "O POVO BRASILEIRO" - livro de DARCY RIBEIRO

Obra disponível para download no grupo: https://www.facebook.com/groups/557711580977919/1250011308414606/
 
#DarcyRibeiro #BrasilFormaçãoSentido
O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo, é o que trataremos de reconstituir e compreender nos capítulos seguintes. Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos.

Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo (Ribeiro 1970), num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam. Povo novo, ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização sócio‐econômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros.

Velho, porém, porque se viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, como um implante ultramarino da expansão européia que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício da função de provedor colonial de bens para o mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país ou importa.

A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente.

A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação.

As únicas exceções são algumas microetnias tribais que sobreviveram como ilhas, cercadas pela população brasileira. Ou que, vivendo' para além das fronteiras da civilização, conservam sua identidade étnica. São tão pequenas, porém, que qualquer que seja seu destino, já não podem afetar à macroetnia em que estão contidas.

O que tenham os brasileiros de singular em relação aos portugueses decorre das qualidades diferenciadoras oriundas de suas matrizes indígenas e africanas; da proporção particular em que elas se congregaram no Brasil; das condições ambientais que enfrentaram aqui e, ainda, da natureza dos objetivos de produção que as engajou e reuniu.

Essa unidade étnica básica não significa, porém, nenhuma uniformidade, mesmo porque atuaram sobre ela três forças diversificadoras. A ecológica, fazendo surgir paisagens humanas distintas onde as condições de meio ambiente obrigaram a adaptações regionais. A econômica, criando formas diferenciadas de produção, que conduziram a especializações funcionais e aos seus correspondentes gêneros de vida. E, por último, a imigração, que introduziu, nesse magma, novos contingentes humanos, principalmente europeus, árabes e japoneses. Mas já o encontrando formado e capaz de absorvê‐los e abrasileirá‐los, apenas estrangeirou alguns brasileiros ao gerar diferenciações nas áreas ou nos estratos sociais onde os imigrantes mais se concentraram.

Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que permitem distingui‐los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo‐brasileiros, teuto‐brasileiros, nipo‐brasileiros etc. Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população.
(...)
Referência: RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 62
_______
SUMÁRIO
Prefácio 11
Introdução 19

I. O NOVO MUNDO

1 MATRIZES ÉTNICAS
A ilha Brasil 29
A matriz tupi 31
A lusitanidade, 37

2 O ENFRENTAMENTO DOS MUNDOS
As opostas visões 42
Razões desencontradas 49
O salvacionismo 56

3 O PROCESSO CIVILIZATÓRIO
Povos germinais 64
O barroco e o gótico 69
Atualização histórica 73

II. GESTAÇÃO ÉTNICA

1 CRIATÓRIO DE GENTE
O cunhadismo 81
O governo geral 86
Cativeiro indígena 98

2 MOINHOS DE GASTAR GENTE
Os brasilíndios 106
Os afro‐brasileiros 113
Os neobrasileiros 121
Os brasileiros 126
O ser e a consciência 133

3 BAGOS E VENTRES
Desindianização 141
O incremento prodigioso 149
Estoque negro 160

III. PROCESSO SOCIOCULTURAL

1 AVENTURA E ROTINA
As guerras do Brasil 167
A empresa Brasil 176
Avaliação 179

2 A URBANIZAÇÃO CAÓTICA
Cidades e vilas 193
Industrialização e urbanização 198
Deterioração urbana 204

3 CLASSE, COR E PRECONCEITO
Classe e poder 208
Distância social 210
Classe e raça 219

4 ASSIMILAÇÃO OU SEGREGAÇÃO
Raça e cor 228
Brancos versus negros 231
Imigrantes 241

5 ORDEM VERSUS PROGRESSO
Anarquia original 245
O arcaico e o moderno 248
Transfiguração étnica 257

IV. OS BRASIS NA HISTÓRIA

1 BRASIS
Introdução 269
2 O BRASIL CRIOULO 274
3 O BRASIL CABOCLO 307
4 O BRASIL SERTANEJO 339
5 O BRASIL CAIPIRA 364
6 BRASIS SULINOS 408

V. O DESTINO NACIONAL
As dores do parto 447
Confrontos 452

Bibliografia 457
Índice remissivo 467
____________________
Nota da contra‐capa:

"Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em ouro e glórias. Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo era um luxo de se viver. Este foi o encontro fatal que ali se dera. Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes mas opostas, do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Os navegantes, barbudos, hirsutos, fedentos, escalavrados de feridas de escorbuto, olhavam o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, esplêndidos de vigor e de beleza, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saíam do mar."

"Darcy Ribeiro é um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve. Não apenas pela alta qualidade do seu trabalho e da sua produção de antropólogo, de educador e de escritor, mas também pela incrível capacidade de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma."
Antonio Cândido, Folha de S.Paulo

Nota das orelhas do livro:

Por que o Brasil ainda não deu certo? Darcy Ribeiro, ao chegar no exílio, no Uruguai, em abril de 1964, queria é responder a essa pergunta na forma de um livro‐painel sobre a formação do povo brasileiro e sobre as configurações que ele foi tomando ao longo dos séculos. Viu logo, porém que essa era uma tarefa impossível, pois só havia o testemunho dos conquistadores. E sobretudo porque nos faltava uma teoria crítica que tornasse explicável o mundo ibérico de que saímos, mesclados com índios e negros.

Afundou‐se, desde então, na tarefa de produzir seus Estudos de antropologia da civilização, que pretendem ser essa teoria. A propósito deles, Anísio Teixeira observou que "embora um texto introdutório, uma iniciação, não é reprodução de saber convencional, mas visão geral, ousada e de longa perspectiva e alcance. Darcy Ribeiro é realmente uma inteligência‐fonte e em livros desse tipo é que se sente à vontade. Considero Darcy a inteligência do Terceiro Mundo mais autônoma de que tenho conhecimento. Nunca lhe senti nada da clássica subordinação mental do subdesenvolvido [...]."

Mas Darcy continuou trabalhando sempre no seu texto sobre o Brasil e os brasileiros, explorando tanto as fontes bibliográficas disponíveis como as amplas oportunidades que ele teve de observação direta de todos os tipos de gentes do Brasil. Recentemente, vendo‐se em risco de morrer numa UTI, fugiu de lá para viver e também para escrever este seu livro mais sonhado. Levou consigo, para uma praia de Maricá, as copiosas anotações feitas naqueles anos, que ele compaginou ali. Foram trinta anos de mais quarenta dias.

Trata‐se de seu livro mais ambicioso, resultantes daqueles estudos prévios, mas independente deles. É uma tentativa de tornar compreensível, por meio de uma explanação histórico‐antropológica, como os brasileiros se vieram fazendo a si mesmos para serem o que hoje somos. Uma nova Roma, lavada em sangue negro e sangue índio, destinada a criar uma esplêndida civilização, mestiça e tropical, mais alegre, porque mais sofrida, e melhor, porque assentada na mais bela província da Terra.

Antroplólogo, ensaísta, romancista e político, Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, MG, em 1922. É autor de, entre outros, O processo civilizatório (1968), Os índios e a civilização (1970), Maíra (1976), O mulo (1981), Utopia selvagem ( 1982) e Migo (1988).
 

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