quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Racismo ambiental e justiça social*




http://boletimcientifico.escola.mpu.mp.br/boletins/boletim-cientifico-n-37-edicao-especial-2012-direito-a-nao-discriminacao/racismo-ambiental-e-justica-social


Racismo ambiental e justiça social*


Autor: Priscila Ferraresi - Advogada e consultora jurídica ambiental. Ex-gerente jurídica da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Procuradoria-Geral da República. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná e Faculdades Integradas do Brasil (Esmafe/

1 Introdução. 2 A governança global para um diálogo com a justiça socioambiental: a ética planetária. 3 A problemática do racismo ambiental: promover a justiça ambiental para realizar a dignidade humana. 4 Notas conclusivas.


* Artigo assente na obra de Ferraresi (2012, p.166-174)

PDF document icon 10_Racismo ambiental e justiça social.pdf PDF document, 209 kB (214799 bytes) 
 Resumo: O artigo descortina fragmentos do ideário da dignidade
humana em sua dimensão ecológica, transitando pelas liberdades
proporcionadas a reboque mediante a proteção do meio ambiente.
O crescimento econômico experimentado nos dias atuais e, bem
assim, a melhora das condições de vida e bem-estar ocorreram à
custa do meio ambiente, por meio de seu uso muitas vezes indevido
e insustentável, causando, por via de consequência, a degradação
ambiental e até o empobrecimento de certas populações. O ins-
trumental subjacente à proteção do meio ambiente deita suas raízes
na importância capital do direito a condições dignas de existência
do ser humano, porquanto a incômoda existência de sociedades
privadas de direitos básicos de sobrevivência e qualidade de vida,
culminando no fenômeno conhecido como racismo ambiental. O
desígnio basal do trabalho é demonstrar como a referida teoria tra-
duz-se em aporte à dignidade mediante o desenvolvimento susten-
tável, congregando também a governança ambiental para a justiça
social e possibilitando, assim, o alcance de um verdadeiro Estado de
Direito Socioambiental.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Dignidade humana.
Direitos fundamentais. Racismo ambiental. Sociedade contemporânea.
Sumário: 1 Introdução. 2 A governança global para um diálogo
com a justiça socioambiental: a ética planetária. 3 A problemática
do racismo ambiental: promover a justiça ambiental para realizar a
dignidade humana. 4 Notas conclusivas.
1
Introdução
“Longe de ser um fardo, o desenvolvimento sustentável
é uma oportunidade excepcional – em termos econômicos, para
construir mercados e criar empregos; socialmente, para retirar as
pessoas das margens, e politicamente, para dar a cada homem e
mulher uma voz e uma escolha, ao decidir seu próprio futuro”2
(Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, tradução livre).

Permanecendo na retórica do desenvolvimento sustentável
acima delineada, percebe-se o porvir de uma nova ordem jurídica
ambiental, em que a dignidade humana é vista através das lentes da
nova consciência ecológica.
Arquitetado sobre estruturas holísticas de pensamento, o
Estado Socioambiental de Direito, ao romper com o paradigma
tradicional individual-utilitarista, revela, entre suas interfaces, a
preocupação com a vida de forma sistêmica, e, dessa maneira, atri-
bui importância a cada um dos seres vivos.
Pela conjugação dos traços selecionados, resta evidente o aban-
dono de concepções tradicionais do meio ambiente, superando
interpretações estanques do fenômeno da vida e, assim, atribuindo
ampla vitalidade ao caminho para o desenvolvimento sustentável.
Em meio à crise socioambiental do presente tempo, é nesses
moldes, portanto, que o conceito de racismo é aqui examinado,
perpassando pelas transformações nos parâmetros de bem-estar e
qualidade de vida a partir de novas concepções culturais.
Essa verdadeira transformação cultural tomou lugar quando
a sociedade deparou-se com um crescimento populacional jamais
antes vivenciado, e, ao trabalhar com esta nova realidade, é preciso
que alternativas sustentáveis sejam adotadas a fim de permitir a
manutenção da vida no planeta.

No quadrante do desenvolvimento sustentável, cinge-se a elo-
quente função da governança ambiental, compondo as necessidades
genuínas das sociedades humanas e permitindo que estas avancem
num trabalho conjunto de toda a humanidade.
Contempla-se, nessa toada, o fenômeno do racismo ambiental,
quando medidas mínimas de proteção dos ecossistemas e as marchas
impressas pelo consumismo polarizado maculam o conteúdo da
dignidade humana.
Ao cabo das explanações arrazoadas, veste-se da definição de
desenvolvimento como o fenômeno em que o elemento social deve
conduzir o progresso, observando os limites impostos pelo ele-
mento ambiental, e enquadrar o elemento econômico como sim-
ples meio para o alcance do desenvolvimento.
 
2      A governança global para um diálogo com
a justiça socioambiental: a ética planetária

Assegurar a observância dos direitos fundamentais é concretizar a
chamada justiça constitucional. Mormente no campo dos direitos fun-
damentais, como o direito ao meio ambiente, a atuação do Judiciário
tem efetivamente realizado os ideais constitucionais democráticos.
Resta evidente que, ao fazermos alusão à expressão justiça
constitucional, quando se busca o seu pleno significado, é comum
fazermos também referência à igualdade, sendo esta igualmente
a razão pela qual se pretende justificar a existência de diferenças
materiais entre os indivíduos.
Nesse contexto, o que se propõe é estabelecer a governança
ambiental como instrumento jurídico, além de institucional, como
forma de concretizar os direitos fundamentais em face da dinâ-
mica da sociedade. O Judiciário, localizado próximo ao indivíduo,
poderia de forma mais efetiva garantir, no caso concreto, a então
realização dos direitos constitucionais.
Segundo Barboza (2005, p. 175),
[...] a legitimidade democrática da jurisdição constitucional na efeti-
vação dos direitos fundamentais sociais consiste no fato de que só se
poderá falar em democracia fundada em igualdade material quando
os cidadãos tiverem seus direitos sociais mínimos garantidos, que
lhes possibilitem o exercício de seus direitos políticos de forma
plena e verdadeiramente democrática. E em uma Constituição
democrática como a brasileira, o papel da jurisdição constitucional
é o de proteger as minorias, enquanto grupos vulneráveis, e de lhes
assegurar a realização de seus direitos fundamentais.
Entende-se que governança compreende a maneira pela qual
toda uma sociedade, deve-se dizer, indivíduos e instituições, admi-
nistram seus dilemas.(...)

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