sábado, 22 de junho de 2013





MPL: Decisão Certíssima
Carlos Alberto Lungarzo
Quando parecia que os movimentos sociais estavam esvaziados no Brasil e muitos nos queixávamos da falta de mobilização popular progressista, o Movimento Passe Livre mostra que possui a capacidade de deflagrar uma manifestação de protesto gigantesca, baseada na indignação popular espontânea por um fato específico e vital como é o transporte.
Emociona a lucidez dos jovens que pertencem ao MPL e falam em nome dele, mostrando que os sacrifícios feitos pelas gerações anteriores na luta por um mundo melhor não foram em vão, e que o Brasil está na linha da revolta popular pacífica, ultrademocrática e corajosa como nos mais avançados países europeus, como a Primavera Árabe, como os movimentos feministas e de liberdades sexuais dos EUA. (Vide)
O MPL se inscreve nas melhores tradições da defesa dos direitos humanos dos séculos 19 e 20, organizou e defendeu a luta pela volta ao antigo valor das passagens do transporte e conseguiu. Atingida essa meta, ele deixa de convocar as manifestações em São Paulo porque, como disseram seus representantes em todos os veículos da mídia,
não querem que os fascistas se aproveitem desse esforço.
Isso não significa terminar a luta. Eles afirmam que continuaram as discussões e luta pelo passe livre e melhoria nos transportes. Um jovem de uns 20 anos, responder com incrível lucidez e segurança, mas também sem nenhuma arrogância, à pergunta “ingênua” (?) de uma repórter da rede Globo.
E as reivindicações pela PEC 37, a luta contra a corrupção... [onde ficam]?
O momento Passe Livre respondeu o rapaz com energia, lucidez, porém com toda cordialidade jamais levantou essas pautas.
O MPL convocou às manifestações pela anulação do aumento das passagens, e reconhecem que elas foram engrossadas por novas reivindicações e enormes passeatas, raramente vistas na América Latina. Mas o Movimento não quer dar carona às reivindicações e ações de fascistas (como eles mesmos as chamam), e um de seus representantes, menciona as principais: criminalização do aborto, redução da idade penal , dentre outras e confronto com manifestantes que carregam suas bandeiras partidárias, por exemplo.
O MPL está dando as respostas exatas, perfeitas, à situação atual. Eles dizem não formar um partido, mas também advertem que não são contra os partidos, e repudiam os vândalos que agrediram os representantes de partidos populares que participaram das passeatas.
Muitos observadores internacionais, alguns muito agudos, indicam que o MPL e outros movimentos não respondem aos antigos esquemas de esquerda e direita. Esta advertência é necessária, porque o que entendem muitos por esquerda nada tem a ver com um projeto emancipador, mas com um projeto de poder.  
Entretanto, muitos achamos que estes movimentos espontâneos progressistas (os Grassroots, como foram o movimento feminista europeu, ou o movimento italiano pelo divórcio) são uma forma nova da verdadeira esquerda histórica.
O MPL contribui a uma explosão de força popular nunca vista, com base numa questão aparentemente pequena: o aumento de vinte centavos num sistema de transporte de má qualidade. Foi por um fato específico, a morte de um rapaz, que foi deflagrada a Primavera Árabe.
O MPL tem porta-vozes. Mesmo tendo a dinâmica espontânea, as decisões tomadas pela massa precisam ser formuladas, mas não têm líderes nem caudilhos. Não é um partido tradicional.
O MPL está na linha de outros movimentos (antirracistas, secularistas, feministas, homoafetivos, etc.) que lutam por uma ação social, não política, sem nenhuma intenção de poder, com honestidade, com transparência. É a sociedade civil funcionando dentro das margens permitidas pela lei, porém, levantando bandeiras opostas ao sistema.
Este movimento encaixa na melhor da tradição de 68, e dos movimentos dos 70: fazer que as pessoas tenham a seu alcance um método de expressão, criando uma nova sensibilidade social e estimulando a pensar.
O pensamento mostra ser uma arma fundamental. É por isso que a mídia, a religião e os exércitos, esvaziam a cabeças das pessoas, e as enchem de mitos e besteiras, de superstições e fetichismo: mania pelo sofrimento (dos outros), pelas armas, pela tristeza.
As pessoas de qualquer nível que sabem pensar, em seguida encontram coincidências como amigos, vizinhos, conhecidos, que também pensam. Isso vai transformando a massa numa organização racional da sociedade. Isto tem força, e o mostrou no passado: Movimentos grassroots conseguiram grandes vitórias nas últimas décadas, entre outras:
O fim da Guerra de Vietnam, o avanço do movimento gay e feminista nos EUA, o acordão Doe vs. Wade sobre aborto, a luta contra a teocracia, o autoritarismo e a superstição na Europa e, agora, a Primavera Árabe.
O espírito de liberdade e justiça se propaga.  Durante as grandes passeatas contra a globalização, na Espanha se tornou famoso um slogan “La policia tiene poder porque tú le obedeces”.
A sociedade que o MLP acordou, ficará desperta. Mas, agora, no calor dos fatos, e com a ampliação das manifestações e reivindicações, que passaram a incluir o combate à corrupção, é necessário que ela não seja manipulada pela direita.
Por isso, a decisão de parar as manifestações é certíssima.

O Assalto da Direita

A brutalidade da repressão policial na semana anterior provocou a participação de amplas parcelas da população, houve uma reação vigorosa à violência policial contra os manifestantes promovida pelo governo do estado, mais jovens, adultos e as famílias dos jovens que haviam sido reprimidos foram às ruas para exigir a liberdade de expressão e um não à repressão. Essa motivação garantiu a não repressão ao movimento, que se sentiu cada vez mais forte e ficou cada dia mais caudaloso, agregando mais bandeiras de reivindicação. Nesta semana, a polícia paulista, famosa por seu sadismo e brutalidade, mostrou-se tão gentil como os bobbies londrinenses ou os policiais noruegueses.
Sobre-estimando sua força, a direita pensou que podia se apossar de um movimento espontâneo que lhe forneceria, em bandeja de prata, mais de um milhão de pessoas. Disfarçados de descontentes que querem continuar com movimento espontâneo, como se fosse suficiente para derrubar o governo, passaram a usar uma identidade sem identidade, anônima, que têm como principal bandeira um não a participação de partidos políticos e suas bandeiras no movimento. Muitos manifestantes, ingênuos, não entendem que a direita nunca conseguiu  articular movimentos,o nazismo, o fascismo, o falangismo, o integralismo, os pentecostais, não organizam, tomam carona numa massa espontânea, eles orientaram essa massa com um longo processo subliminar, que incentiva o ódio e explora a ignorância e as desgraças dos populares. Todos esses grupos direitistas têm estratégias eficientes e, mesmo que seu nível moral esteja nos mais profundos esgotos, sua operacionalidade é real.
A direita do PSDB, DEM, PPS e outros agentes formais do neoliberalismo (em realidade, como disse Samuelson, fascismo de mercado) não têm essa eficiência, porque a direita no Brasil é estólida. Ela sabe espancar e matar, como fez na USP, em Pinheirinho, em Carandiru, no Maio de 2006, em Carajás, na Candelária, em Vigário Geral, e em muitos outros lugares. Sabe roubar até a última gota de sangue do povo, sabe chorar frente às câmaras e pedir a benção do Opus Dei, sabe depredar, mas é incapaz de um planejamento minimamente inteligente.


No dia em que fazia seus 82 anos, o grande guru intelectual da direita, FHC, só soube dizer: “Dilma, que se cuide” ou algo parecido.
Já a intromissão da extrema direita no movimento foi súbita; já estava aí no começo da semana. Mas foi crescendo, com uma atividade intensa nas redes sociais, convocando os participantes como seres com vozes do além, anônimos, garantindo que se eles têm o poder de derrubar o governo e resolver todos os problemas levantados só com passeatas, mas desde que sigam suas palavras de ordem. Foi torpe, como é sempre.
a)   Na Quarta Feira, um dos primeiros vândalos que quebrou vidros da fachada de entrada da Prefeitura de SP, logo foi identificado: estudante de arquitetura, filho de um empresário da máfia dos transportes.
b)   Na Quinta, o hooligan que assassinou um garoto de 18 anos e feriu gravemente um monte de pessoas ao lançar sua van contra a passeata, em Riberão Preto, parece ser um típico “agro-boy” da região.
c)    Grupos de vândalos avançaram com paus, desfechando pancadas nos grupos pacíficos de partidos como o PT, o PSTU, PCO, PSOL e outros, que  participavam da manifestação, como qualquer outra tendência pacífica que tem suas propostas e lutam pelas questões sociais. Algumas dessas agressões foram feitas com tacos de beisebol, um esporte infrequente no Brasil, só praticado pelos filhos das altas elites.
d)   Muitos provocadores em SP, no Rio e em outras grandes cidades, vão vestidos com camisetas e outras roupas de movimentos tipo neonazista e havia skinheads e outros conhecidos por suas tendências racistas. E os vândalos e agressores em sua maioria sempre estão com os rostos envoltos em panos, escondendo suas fisionomias.
Nunca, a mídia tinha elogiado com tanto entusiasmo a conduta pacífica de uma multidão, e insistiram, muitas vezes, em que os conflitos eram poucos e seus propulsores eram “elementos alheios ao movimento”. Por que tanta gentileza?
O movimento apareceu como um presente, algo que, eles pensaram, permitira à direita substituir os slogans de interesse social pelos slogans próprios de ódio político.
Os exemplos concretos são gritantes. O mais caricato e repulsivo articulista de jornal televisivo, despejou truculentos ataques ao movimento com seu estilo procaz. Ainda no ar, minutos depois disse que se tinha equivocado.
O quase escritor, quase cineasta e quase jornalista Arnaldo Jabor, insultou o movimento e um dia depois fez uma autocrítica pública.
Nos últimos dias rolou na Internet um vídeo, onde apareceu alguém usando a máscara de Guy Fawkes, para enganar aos distraídos fazendo crer que era parte do movimento MPL. Por sinal, usando uma máscara e identificando-se como anônimo, qualquer um pode usurpar qualquer posição. Mas, neste caso é óbvio que esta era uma mensagem dos partidos de oposição que procuram desestabilizar o governo Dilma.
O mascarado disse que agora havia que parar com coisas que dividiam o povo, como ideologia e religião, e ocupar-se de cinco fatos que eram “o clamor da sociedade” (?). Entre esses fatos estava a PEC 37, que ninguém do povo conhece, nem entende, a expulsão de um político do Senado, e outras três propostas inexequíveis e incompreensíveis para a imensa maioria da população que se manifesta, mas que convencem pelo  ódio.
Dito seja de passagem: lembremos que Marx e Engels repudiaram o anonimato e a sociedade secreta (geheime Gesselschaft), embora algumas delas fossem progressistas. Coisas secretas geram confusão. Veja Engels aqui.
Outros traços confirmam o que o mesmo MPL caracterizou como fascismo dentro das passeatas: o nacionalismo exaltado, de um grande grupo de participantes, os mesmos que espancaram os membros de partidos políticos. Eles se enrolaram em bandeiras, cantaram o hino nacional, e gritaram os velhos slogans do fascismo europeu. “O povo unido não precisa de partidos”. “O meu partido é meu país”
Mas a massa que eles acreditavam conseguir de graça já não estará mais aí para servir seus interesses. O MPL continuará trabalhando pelas conquistas populares, mas, enquanto não seja necessário, não haverá massas nas ruas para serem infiltradas pelas SS do governador e sua caterva.
Os movimentos se fazem com honestidade, inteligência e coragem. A direita não tem nada disso. Aliás, tem, em alarmantes overdoses todo o oposto.

O Impasse do Governo

O PT foi a grande esperança não só do Brasil, mas na América Latina até, talvez, 1988. Em 1980 e 81, militantes de Europa e as Américas chegaram ao Brasil na esperança de encontrar uma segunda versão, menos vulnerável que a Unidade Popular do Chile de 1970, que marcou o mundo moderno com a esperança de um possível socialismo com rosto humano.
O PT durou muito mais que a UP, mas o preço de sua duração foi muito alto, pois, para eleger-se e depois poder governar, dentro do sistema político brasileiro aliou-se aos que já foram seus inimigos, partidos como o PP e o PSC, que reúnem a escória moral da sociedade: os hipercriminosos de colarinho branco, os milicos infiltrados na democracia que tanto desprezam, os vigaristas mais canalhas, que exploram a fé ingênua de desesperados e ignorantes.
Quando assumiu a chefia do Estado, Dilma Rousseff disse que estendia a mão a oposição. Talvez ela tenha pensado isso como um gesto ingênuo e fraternal, mas, na prática, significou ignorar que a unidade nacional é um mito, e que a oposição brasileira encarna a defesa de todos os valores mais desumanos e bárbaros da sociedade.
O PT ainda tem pessoas valiosas que, embora sejam minoria, devem fazer um esforço para recuperar uma parte das bandeiras que animaram o movimento popular entre 1977 e 1988. Devem unir-se aos partidos de esquerda, que, mesmo pequenos, podem oferecer algo melhor que votos: ideias e ações.
O governo cedeu a quase todas as pressões dos mais infames representantes da direita. Foi incapaz de tentar (mesmo que houvesse fracassado) a intervenção ao estado de São Paulo na invasão bárbara de Pinheirinho, em S. J. Campos. Esta evicção produziu a mesma quantidade de vítimas que o famigerado massacre de Soweto. Mas Soweto parou o mundo, enquanto Pinheirinho só mereceu uma reação medrosa do governo.
Pensemos no que fez a direita em apenas oito anos de governo (1994-2002), quando o desmonte inicial do estado e a sociedade absorveu muita energia, mas mesmo assim teve tempo para repressão dos petroleiros, uma das maiores do país, inclusive comparando com a ditadura.
Pensemos o que eles poderão fazer se voltassem a governar. Ao espírito de depredação, lucro, racismo e classismo soma-se agora o ressentimento… E o ressentimento é o principal motor de reacionários e feitores.
Aliás, eles encontrarão a mesa servida: hoje, o Congresso Brasileiro estuda os projetos mais obscurantistas, repressivos e irracionais da história do país.

Observação

Em vários trechos deste escrito, uso a palavra “fascista” porque ela é uma aproximação bastante precisa e foi usada por porta-vozes do próprio MPL. Mas, quero deixar claro que, num sentido mais científico, talvez o termo fascista seja algo até fraco para aplicar à direita brasileira. Vou dar apenas um exemplo:
No Códice Rocco (Código penal do fascismo), uma mulher maior de idade e consciente que abortava voluntariamente era punida com prisão de um a quatro anos (artigo 547). (vide)
Na primeira versão (2006) do Estatuto do Nascituro no Brasil se propunha (embora não tenha sido aprovada) uma modificação ao CPB onde a pena fosse de dois a seis anos. (vide)

Nestes casos os fascistas italianos teriam muito para aprender de nossa direita! Mas, na falta de uma palavra mais expressiva, continuo usando “fascista”.

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