sexta-feira, 23 de julho de 2010

QUAL É O TAMANHO DO SEU MEDO? POR FAUSTO BRIGNOL

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Há quem afirme que a vida nas cidades, a vida sedentária, faz com que tenhamos mais medo. A acomodação leva ao medo. Aqueles medos cotidianos. Medo de perder o emprego, o status, a vida conhecida e rotineira, a estabilidade.

      Mas, também os homens mais primitivos, morando no campo e não, necessariamente, em aglomerações, tinham medo. E o medo do desconhecido talvez tenha sido o sentimento mais forte a uni-los, na busca da auto-proteção e conforto. Mas essa união natural, à medida que as sociedades evoluíam e tornavam-se mais complexas em conhecimento e tecnologia - dividindo as pessoas em classes sociais e separando famintos de bem alimentados – deteriorou-se, fazendo com que o ser humano aumentasse os seus medos na mesma proporção em que se tornava mais antagônico em relação à natureza que o havia gerado e protegido.

      Os animais não tem medo, a não ser “o medo animal” de ser devorado pelo mais forte, de ter o seu habitat invadido, coisas assim... Agem naturalmente, em harmonia com a natureza. Os homens, predadores antinaturais, devastadores da natureza, poderosos em tecnologia e em saber, vivem com medo.

      Há os medos que se avultam na nossa mente: perder o amor, as amizades, o carinho dos mais próximos – porque necessitamos desse aconchego para viver. E os medos drásticos: a guerra, a perda dos entes queridos, as catástrofes, o desconhecido que poderá, a qualquer momento, nos tirar a vida e tudo o que temos. E o medo cruel, que é o medo da solidão; ou o medo pânico provocado pela própria solidão, aliada à incompreensão dos demais. Este é um medo que pode levar a universos mentais demasiado introspectivos, a prisões e fugas internas.

      O medo das perdas é a principal razão de todos os medos. Porque perder tem o sentido negativo de “ser menos” e somos levados a acreditar que somos mais à medida que temos mais. Quando perdemos alguém muito próximo, alguém que é “nosso”, as nossas emoções são questionadas, desestabilizadas e o medo nos invade. Estamos sempre agarrados a coisas, situações ou pessoas que “temos”, que “adquirimos”. E qualquer perda nos provoca medo.

      Todos vivemos com medo. Aqueles que dizem que não tem medo, com certeza devem sentir medo da possibilidade do medo. Em sociedades consumistas, como a nossa, sociedades selvagens, perder também tem o significado de não conseguir alcançar determinada meta. E isto, sempre em relação ao outro, que poderá alcançá-la antes. Como se a vida consistisse em alcançar metas que levam a outras metas, indefinidamente. Nestas sociedades, onde o capital tornou-se o motor da vida, viver é sinônimo de competir. E competir passou a significar ser mais que o próximo, ultrapassá-lo, vencê-lo – e sempre de maneira cruel, desleal e predadora. E o medo de perder essa corrida iníqua é o que corrompe a alma. Um medo escalonado entre classes sociais e idades.

      As pessoas mais pobres tem medo de que a luta pela sobrevivência diária não seja o suficiente para sobreviverem. Na classe média, há o medo de não conseguir subir acima da média. E os burgueses lutam com seus medos de serem derrubados do seu pedestal, de não conseguirem suplantar o rival mais próximo, de não conseguirem, ao final, dominar a tudo e a todos.

      E todos tem medo da velhice. Inventaram até a expressão “terceira idade” para tornar a velhice menos feia e angustiante.

      Para os burgueses, a velhice parece não ser tão ruim, porque conseguem comprar todos os lazeres e prazeres; todas as bajulações. Aspiram ao supremo poder, mesmo quase às vésperas da morte, com o rosto repuxado por mil operações plásticas, quando já resolveram que o cérebro encarquilhado ficará em alguma urna de cristal. Sonham com a possibilidade de clonar-se – posto que a alma já está perdida - para preservar a sua mediocridade banhada a ouro; constroem gigantescos mausoléus para guardar seus ossos. Pensam-se deuses.

      Na classe média, a velhice torna-se mais asfixiante. É quando os remédios amontoam-se nas gavetas, junto com as queixas diárias; quando são remoídas as ilusões perdidas e as possibilidades não alcançadas; quando a última esperança está nos filhos e netos, que poderão um dia, quem sabe, vir a ser burgueses – e ter uma velhice mais ilusória.

      Nas classes pobres, a velhice é um desafogo da vida escrava e martirizada. Transforma-se na ante-sala da morte, na possibilidade de – “além” – todos os sonhos se tornarem realidade.

      Independente da classe social e além de todos os medos cotidianos, das torturas mentais a que nos submetemos, todos temos medo da morte. É quando pensamos em ser, e no Ser. Um medo enraizado, atávico, que passa de geração para geração, porque o homem é o único animal que, mesmo sabendo que morrerá algum dia, não acredita nisso até o último instante. Os animais irracionais, ao contrário, vivem em harmonia com a natureza e a morte pertence à natureza. Mas nós usamos o raciocínio. Usar o raciocínio nos traz a dúvida e a dúvida leva ao medo.

      Por isso, os cultos humanos, em sua grande maioria, reverenciam a morte e todas as religiões devem a sua existência a essa realidade que não conhecemos. E da qual temos medo e esperança ao mesmo tempo.



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