quinta-feira, 25 de junho de 2009

Uol Notícia Internacional

25/06/2009
Apesar da crise, indústria de pesquisas com células-tronco deverá crescer

Financial Times
Clive Cookson


Após passar anos mergulhada em controvérsias, a pesquisa com células-tronco deverá acelerar-se devido a um clima político mais benigno, mais verbas e avanços tecnológicos.


Neste momento em que a Califórnia enfrenta um déficit orçamentário terrível, a lâmina dos cortes orçamentários paira sobre quase todos os gastos do Estado, da previdência social à educação. Mas existe uma atividade que está pronta para experimentar um crescimento saudável: a pesquisa com células-tronco.

Dezenas de novos laboratórios estão sendo equipados e centenas de cientistas têm sido recrutados. O Instituto de Medicina Regenerativa da Califórnia - criado em 2004, quando uma verba de US$ 1 bilhão para essas pesquisas foi aprovada em um referendo - está em plena atividade após os atrasos provocados por questões de ordem legal e as incertezas quanto à venda dos títulos estaduais que financiarão o projeto. Cerca de US$ 1 bilhão (700 milhões de euros, 600 milhões de libras esterlinas) foram alocados na forma de financiamentos para pesquisas, gastos com laboratórios e com outras infra-estruturas, segundo Alan Trounson, presidente do Instituto de Medicina Regenerativa da Califórnia.
A Califórnia - que é conhecida como o "Estado Dourado" - é o exemplo mais drástico de uma onda crescente de gastos públicos nos Estados Unidos e no resto do mundo com as pesquisas com células-tronco, que muitos cientistas acreditam que sejam a base de um novo tipo de medicina. Nesta nova medicina, os tecidos do corpo humano danificados ou que não funcionam mais de maneira apropriada serão substituídos por novas células. Paralisada durante anos pela oposição política e a falta de verbas, a pesquisa com células-tronco - que segundo aqueles que a apoiam pode conter a chave para a cura de doenças como a diabetes, a insuficiência cardíaca, a doença de Parkinson e as lesões da coluna - ganha ímpeto.

Ironicamente, no momento em que essa prática polêmica passou a aparecer menos nos noticiários, ela está experimentando um avanço científico em um ritmo sem precedentes. Os pesquisadores estão descobrindo novas maneiras de fazer células-tronco e transformá-las em sangue, cérebro, ossos e outros tecidos.

Na frente política, a chegada de Barack Obama à Casa Branca mudou o clima regulatório, já que o novo presidente dos Estados Unidos cumpriu a sua promessa de campanha no sentido de relaxar as restrições rígidas impostas sobre o orçamento federal pelo seu predecessor, George W. Bush.

Acredita-se que novas regras abrirão o caminho para que o Instituto Nacional de Saúde, a principal agência de pesquisa biomédica dos Estados Unidos, injete centenas de milhões de dólares em projetos de pesquisas com células-tronco - embora as regulamentações possam não ser tão liberais quanto alguns defensores das pesquisas esperavam. "As verbas federais para a pesquisa mais avançada com células-tronco embrionárias continuam limitadas", explica Susan Solomon, da Fundação de Células-tronco de Nova York. "Essa realidade faz com que seja um imperativo moral que os Estados que possuem sistemas de financiamento continuem financiando o trabalho que o Instituto Nacional de Saúde não pode apoiar".

O projeto de Nova York, no valor de US$ 600 milhões, é o maior depois do californiano. Existem também iniciativas de grande envergadura na Europa e na Ásia. O mundo está se tornando mais liberal quanto à regulamentação de pesquisas envolvendo embriões humanos, embora alguns países continuem limitando drasticamente tais pesquisas por motivos éticos ou religiosos.

As verbas para o setor privado também deverão aumentar. Embora todos concordem que ainda podem faltar décadas para que haja curas espetaculares, as companhias farmacêuticas e de biotecnologia acreditam que estão criando as bases para aquela que poderá transformar-se em uma indústria enorme.

Os governos têm vários motivos para financiar a pesquisa com células-tronco. As duas principais são desenvolver uma base econômica de alta tecnologia e promover o progresso médico.

As iniciativas que criaram os projetos na Califórnia e em Nova York foram lideradas por famosos porta-vozes de pacientes. "O nosso financiamento em Nova York concentra-se na descoberta de curas por meio da ciência, e não do desenvolvimento econômico do setor", diz Solomon. "Creio que o desenvolvimento econômico será uma consequência de uma ciência de excelente nível".

Até mesmo os críticos dos vastos financiamentos estatais acreditam que isso poderá valer a pena no longo prazo ao se criar uma indústria de medicina regenerativa. "Uma guerra por talentos entre os Estados não é um bom modelo de apoio à ciência norte-americana porque ela encoraja a balcanização da pesquisa", adverte James Thomson, da Universidade de Wisconsin, que foi o primeiro a extrair células-tronco de embriões humanos em 1998. "Mas, apesar disso, acredito que a Califórnia irá se beneficiar enormemente desse investimento".

Trounson, que já foi o principal pesquisador da Austrália na área de células-tronco, procura obter um equilíbrio delicado - entre o rigor científico e a impaciência dos doentes. "A necessidade deles de contar com tratamentos disponíveis o mais rapidamente possível é muito forte", afirma o pesquisador. "Eu lhes digo constantemente que estamos falando de uma escala de tempo da ordem de 10, 12, 15 anos. Eles se constituem em um grupo muito importante para lidar com políticos. Os cientistas não têm tanta influência quanto os indivíduos que representam os pacientes".

Quando um paciente pergunta quanto tempo será necessário para o desenvolvimento de tratamentos, a resposta é muitas vezes confusa porque as células-tronco - ou células imaturas - apresentam-se em vários tipos que estão em estágios diferentes de desenvolvimento clínico.

Todo mundo retém algumas células-tronco durante toda a vida para substituir os tecidos que vão morrendo. "Provavelmente existem células-tronco em todos os tecidos adultos, embora ainda não os tenhamos descoberto", diz Jonas Frisen, do Instituto Karolinska, da Suécia. A medula óssea é particularmente rica em células-tronco - e algumas pessoas argumentam que os tratamentos à base de células-tronco, na forma de transplantes de medula óssea, vêm sendo realizados há décadas.

Mas a maioria das pessoas refere-se a células embrionárias, e não adultas, quando pensa em células-tronco. Ao contrário das células-tronco adultas, que têm um potencial limitado, aquelas derivadas do embrião na sua fase inicial são "pluripotentes", apresentando, em princípio, a capacidade de gerar qualquer tecido especializado do corpo humano. O maior desafio científico nesta área é fazer com que as células-tronco embrionárias diferenciem-se de fato desta maneira.

O primeiro teste clínico de células-tronco embrionárias, aprovado em janeiro último pela Administração de Alimentos e Remédios dos Estados Unidos (FDA), deverá ter início neste verão. A Geron, uma companhia californiana de biotecnologia, pretende injetar células nervosas derivadas de células-tronco embrionárias em pacientes paralisados por lesões recentes na coluna.

A fim de justificar o seu projeto, a Geron apresentou à FDA um trabalho de 21 mil páginas descrevendo 24 estudos separados nos quais o seu produto restaurou o movimento em ratos e camundongos que apresentavam lesões na coluna. Embora alguns especialistas temam que as terapias à base de células-tronco tragam o risco de câncer, os dados mostram que isso não ocorreu com os animais submetidos aos testes.

Alguns cientistas temem que esteja sendo gerado um entusiasmo excessivo em torno das células-tronco embrionárias. "O interessese da população e da mídia ainda é impressionante", diz Pete Coffey, da University College London (a mais antiga faculdade da Universidade de Londres). "Parece haver a ideia de que este é um tipo de tecnologia milagrosa".

O professor Coffey pretende realizar um teste clínico do tratamento com células-tronco da degeneração macular, uma causa importante de cegueira, em parceria com a Pfizer, a gigante norte-americana do setor farmacêutico. "Lembrem-se de que faz apenas pouco mais de dez anos que as primeiras células-tronco embrionárias foram produzidas - e, apesar disso, o teste da Geron já foi aprovado e esperamos que o nosso também conte com aprovação dentro de dois anos", afirma Coffey. "Trata-se de uma progressão notavelmente rápida da estaca zero até a fase clínica".

A maioria dos especialistas diz que, mesmo que o teste da Geron gere resultados espetaculares desde o início, ainda falta pelo menos uma década para que as terapias à base de células-tronco embrionárias tenham uma aplicação comercial generalizada. Thomson, que foi o pioneiro nesta área, diz que um prazo de 20 anos é algo mais realista.

Uma outra complicação nas últimas duas décadas foi a descoberta e o refinamento rápido das células-tronco de "pluripotência induzida". Essas células foram produzidas pela primeira vez em 2007 por cientistas japoneses e norte-americanos, incluindo Thomson. Elas parecem comportar-se exatamente como as células-tronco embrionárias, mas são produzidas diretamente a partir da pele ou outras células adultas especializadas.

Até recentemente, a produção de células-tronco de pluripotência induzida teria sido vista como uma espécie de "bio-alquimia". O cientista pega algumas células adultas, acrescenta três ou quatro genes ou proteínas, e, como por um passe de mágica, as células são reprogramadas, retrocedendo a um estado embrionário.

A vantagem ética da criação de células-tronco pluripotentes sem a utilização de embriões é óbvia. Os indivíduos que têm objeções de natureza religiosa à pesquisa com embriões viram as células-tronco de pluripotência induzida como uma resposta às suas orações.

Mas os cientistas estão mais interessados na vantagem prática da tecnologia da célula-tronco de pluripotência induzida. É bem mais fácil fazer células-tronco que são geneticamente idênticas ao paciente, já que às vezes é necessário prevenir a rejeição imunológica, do que usar a técnica de "clonagem terapêutica", que constituía-se no foco anterior das atenções científicas. Esta técnica envolve a criação de um embrião em estágio inicial de desenvolvimento com a transferência do núcleo de uma célula adulta para um ovo cujo material genético foi removido, e a seguir a cultura das células-tronco a partir do embrião.

Muitos especialistas acreditam que o advento das células-tronco de pluripotência induzida torna a clonagem terapêutica redundante. Os críticos dizem que esta última técnica exige muitos ovos humanos novos, e o uso de ovos fertilizados de animais em vez de ovos humanos ainda não se constitui em uma técnica comprovada. Alguns, como Stephen Minger, diretor do Laboratório de Biologia de Células-tronco do King's College de Londres, desejam realizar pesquisas de clonagem terapêutica paralelamente aos trabalhos com células-tronco de pluripotência induzida, mas o professor acredita que esta seja a posição de uma minoria.

No entanto, todo cientista que trabalha com células-tronco de pluripotência induzida insiste que a pesquisa com células-tronco embrionárias convencionais, obtidas a partir de embriões excedentes produzidos durante um tratamento de fertilização in vitro, deve continuar. As células-tronco humanas de pluripotência induzida são tão novas que é preciso muito mais pesquisas para que se entendam as suas propriedades e a forma como elas diferem das suas predecessoras. "Nós ainda estamos trabalhando com células-tronco embrionárias, porque as entendemos bem, e as estamos comparando com as células-tronco de pluripotência induzida", diz Thomson.

Embora as células-tronco de pluripotência induzida possam estar mais distantes da comercialização do que as células-tronco embrionárias como terapia direta para os pacientes, existem aplicações mais imediatas para as células pluripotentes em pesquisa e desenvolvimento. Elas podem ser transformadas em células especializadas para possibilitar a averiguação da segurança e da eficácia de novas drogas. E culturas de células-tronco de pluripotência induzida derivadas de pacientes prometem ser um instrumento de valor inestimável para o estudo da bioquímica de doenças específicas e para o desenvolvimento de tratamentos.

Mas até mesmo essas aplicações mais imediatas só beneficiarão os pacientes daqui a vários anos. Quem adotar uma visão de longo prazo dos gastos públicos deve elogiar a Califórnia por investir fundos estaduais escassos em um campo no qual quaisquer benefícios - sejam econômicos ou médicos - encontram-se em um futuro distante.



À busca de lucro

"Nós gostamos da tecnologia, mas não investimos em nenhuma companhia"

Os governos e, em menor escala, as instituições médicas filantrópicas têm sido os principais financiadores das pesquisas com células-tronco porque ainda falta muito para grandes retornos comerciais. Mas o setor privado está entrando nesse campo.

Entre os grandes grupos farmacêuticos, a GlaxoSmithKline foi uma pioneira no ano passado com uma parceria no valor de US$ 25 milhões (18 milhões de euros, 15 milhões de libras esterlinas) com o Instituto de Células-tronco da Universidade Harvard. Depois disso a Pfizer criou um programa de US$ 100 milhões, o Pfizer Regenerative Medicine.

Várias companhias pequenas de biotecnologia já estão trabalhando com células-tronco. Mas Steven Burrill, o banqueiro de investimentos especializado no setor de biotecnologia na Califórnia, diz que os fundos de capital estão temerosos devido aos riscos envolvidos com tecnologia, regulamentação, reembolsos futuros para tratamentos e propriedade intelectual - por exemplo, existe um verdadeiro campo minado de inscrições superpostas de patentes.

"Nós gostamos da tecnologia de células-tronco e a Burrill & Company tem observado vários companhias da área, mas não investimos em nenhuma delas", diz Burrill.

A principal companhia da área de células-tronco, a Geron da Califórnia, calcula que gastou US$ 200 milhões com o desenvolvimento de células-tronco embrionárias - incluindo US$ 45 milhões com uma técnica para tratamento de lesão de coluna que está prestes a ser submetida a testes clínicos. A ação da companhia, que era comercializada a US$ 2 no ano passado, está valendo entre US$ 6 e US$ 7. No Reino Unido, a ReNeuron está usando células-troncos neurais, derivadas de cérebros de fetos, para um tratamento de derrames.

Entre as companhias que se concentram em células-tronco adultas, a Osiris Therapeutics é a que conta com o produto mais avançado. Ele espera submeter o Prochymal, derivado de células de medula óssea, à aprovação do mercado dos Estados Unidos neste ano para o tratamento da rejeição a transplantes. Outras empresas que possuem produtos derivados de células-tronco adultas são a Aastrom Biosciences, a Cytori Therapeutics e a StemCells Inc.

Companhias como essas, que transplantam células vivas diretamente em pacientes, são as mais visíveis. Mas muitas outras estão adotando uma abordagem indireta, desenvolvendo drogas que ativam as próprias células-tronco do corpo para reparar tecidos danificados ou doentes. Entre elas estão a Fate Therapeutics, dos Estados Unidos, e a Epistem, do Reino Unido.

Duas companhias estão explorando a recente constatação de que novos neurônios são capazes de crescer em algumas regiões do cérebro adulto. A Braincells Inc., dos Estados Unidos, pretende desenvolver uma nova geração de antidepressivos por meio do estímulo do crescimento de células-tronco nervosas do paciente. A NeuroNova, da Suécia, tem como alvo a doença de Parkinson e doenças neuromotoras.

Um outro grupo de companhias está desenvolvendo células-tronco como instrumentos para que a indústria farmacêutica teste medicamentos. A Cellular Dynamics International, da qual James Thomson, o pioneiro das pesquisas com células-tronco, é co-fundador, está vendendo células de coração com este fim.

Levando em conta todas as aplicações das células-tronco, Burrill calcula que cerca de cem companhias em todo o mundo estejam atuando neste campo.

Tradução: UOL UOL

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